O buraco estava lá.
Eu não entendia como, mas estava lá. O jardim impecavelmente cuidado, a grama aparada, as rosas em botões. Até a velha grade recém pintada.
E o buraco.
Surgiu da noite pro dia, ninguém o vira antes. Nem eu que dei as ordens para o serviço, nem o jardineiro que o executou, nem a empregada que depois de tudo lavou as calçadas. Fiquei intrigada. Seria toca de algum bicho?
O tal buraco, cuja boca devia ter uns 15 cm de diâmetro descia em curva, completamente oco, as paredes lisas de terra batida como se fora cavado a propósito. Uniforme até onde se podia ver. Como não desmoronava a terra em volta dele? Olhei mais de perto. Peguei a mangueira e introduzi no orifício. Eu forçava, ela entrava. Uns três metros, então a resistência. Pus força. Não ia. Agitei na esperança de entupir o tal buraco. Nada.
Pedi ao jardineiro, que debochado ria ao meu lado fazendo piadas com a situação, para que ligasse a água. O Buraco não inundava. Como pode?
_A água vai chegar na China. Falou com sotaque paulista o jardineiro zombeteiro. Ah, se ele não fosse meu tio!
Desisti da água, se fosse toca de algum bicho ele já teria saído.
_Vai vê morreu afogado.
_Tio!
Todos riam, eu me intrigava.
No dia seguinte joguei água fervendo. O buraco continuava lá, impassível com a bocarra virada pra mim.
O marido que resolvia tudo falou decidido:
__Amanhã compro terra e acabo com isso aí! E assim fez. Entupiu o furo e plantou grama por cima.
Buraco fechado; rotina de volta; eu intrigada!
Uma semana inteira passou. De repente, céu escuro, relâmpagos, trovões. E desabou uma chuvarada. A noite inteira. O quintal alagou. O dia amanheceu, a chuva parou, a água escorreu. O sol se apresentou impávido; senhor do dia.
Já estava indo para o trabalho quando parei estarrecida.
O jardim impecavelmente cuidado, a grama levemente crescida, as rosas desabrochadas. E no meio de tudo, um buraco.
Não pode ser, de novo não; eu não queria acreditar, mas ele estava lá: o mesmíssimo buraco, de bocarra escancarada, rindo muito da minha perplexidade.
Chamei o marido, que trouxe mais terra e tapou o buraco e veio mais chuva, e desceu mais água, e a chuva parou e a água escorreu e voltou o sol, e o buraco reapareceu, e a história se repetiu, e o marido cansou, e eu desisti.
Aliei-me ao buraco; encaixei na sua bocarra uma linda fonte de água em formato de poço e plantei flores coloridas ao seu redor.
Agora, as visitas que chegam se encantam com o meu jardim; passantes da rua também param para apreciá-lo. Ninguém sabe que embaixo de toda a beleza existe um buraco teimoso e inexplicável. Alguém precisa saber?
Deus nos deu força e coragem para mudar o que for possível e sabedoria para perceber que o imutável pode ser transformado para se usar em beneficio do bem comum.
19/05/2006
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