A nascente
Conta a
lenda que no alto de uma montanha brotou uma nascente. Pequenina e brilhante
como uma estrela, mas muito assustada com sua pequenez, recusava-se a sair e
ganhar o mundo. A mãe Natureza pegou-a pela mão e, pela janela da alma,
mostrou-lhe toda a imensidão à sua volta.
Na linha do horizonte ela pôde ver o sonho e o destino de todas as
águas: o
grande mar.
Cheia de
temor ouviu a voz confortante da Sabedoria:
_Não tenha medo, tudo isso será seu, vai
e conquista o que quiser. Os muitos caminhos são longos, mas eles diminuem quando você passa e apenas um chega ao oceano.
Diante
de tanta beleza e grandiosidade o pequeno olho d’água estremeceu sentindo-se ainda menor:
_Como
poderei encontrá-lo? A distância é enorme e são tantos os obstáculos...
_É
simples, você só precisa de três coisas: fé, coragem e determinação.
Então,
ainda ressabiada, mas confiante na Natureza a nascente lançou-se rumo ao
desconhecido. De início apenas uma gota, temerosa e hesitante, mas logo
percebeu que quanto mais andava e mais força fazia, maior e mais forte ficava.
As pedras a açoitavam, os galhos a arranhavam, o sol a castigava, mas
lembrando-se das palavras da mãe Natureza, mesmo exausta e ferida, seguia seu
curso. Quando o caminho se tornava
mais fácil logo novas pedras, novos galhos e até espinhos bloqueavam-lhe a
passagem. O desanimo voltava, queria parar, muitas vezes parava. E então se
intumescia, se represava, se agigantava e abastecida de forças retomava a jornada.
Depois
de muito serpentear entre montanhas, vales e planícies deixando atrás de si um
rastro de água viva, encontrou um ribeirão. Não conhecia ribeirões e ficou
encantada. Por onde andara só
havia córregos e riachos. Alguns, interessantes, a fizeram pensar em juntar
suas águas, mas intimamente sentia que não era o momento. Agora estava ali
diante daquele ribeirão majestoso, imponente, de águas fortes e
cristalinas. Quem precisa do mar?
Pensou com o coração aos saltos. De repente se sentiu leve, transparente,
sorrindo sem motivos. Plácida e lânguida deixou que suas águas se misturassem
às do ribeirão. Este, senhor de si,
se fez de rogado. O que estaria querendo aquela pequena nascente recém
saída para o mundo?
Depois
de muito relutar e já que ela estava ali, fresquinha, carinhosa, cheia de
amores, aceitou sua companhia. Por alguns quilômetros seguiram juntos e
felizes, mas numa das voltas do caminho, lembrou-se o ribeirão que seu destino
era outro. Um grande rio o esperava e lá é que deveria desaguar sua vida. Em
vão tentou nossa pequena nascente arrastá-lo consigo rumo ao oceano. Ele estava
decidido, não mudaria de ideia. Sem olhar pra trás deixou sua sonhadora
amiga à beira do caminho e seguiu em sentido contrário ao mar.
Por um valezinho estreito e pedregoso a pobre
nascente vagueou por muitos anos quase sem forças, levada pelo declive natural
da terra. No coração abatido, pulsando fraco pela tristeza, levava a lembrança
de seu grande amor. Não conseguia esquecê-lo, por mais que tentasse. Como não lhe era permitido parar seguiu à revelia
rumo ao seu destino previamente traçado. Muitas vezes pensou em voltar, mas águas roladas não voltam. Então, no início da primavera, quando as flores já perfumavam suas margens, ao contornar uma colina a Nascente avistou sua majestade o oceano. A
imensidão de águas bordada de espumadas ondas era algo realmente maravilhoso.
Deveria
estar feliz por ter conseguido chegar até ali, mas não estava. Mãe Natureza não
a prevenira das armadilhas do coração e a vida pregara-lhe uma peça. Sem saber
se deveria ou não entregar-se ao mar e viver seu destino, chorou todas as
lágrimas que pôde até que seu coração se partiu em dois e espalhou-se pelas
areias da praia. E veio o sol e a transformou em vapor que subiu devagarzinho
até alcançar o infinito.
Uma
parte virou lua, a outra, muitas estrelas. Felizes, iluminam a
noite dos que amam, inspiram poetas e espalham beleza pela terra salpicando de
prata as águas dos mares, dos rios
e dos sossegados ribeirões.
NILCE SILVA
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