sexta-feira, 30 de março de 2012

Um minuto

Estou em SP em uma lanchonete ao lado de um estacionamento. Tomo uma cerveja enquanto espero. Espero e observo a um canto em uma mesa pequena quatro mulheres conversarem animadamente. Vieram das compras. Com certeza a vinte e cinco de março foi visitada por elas. Rindo muito dividem uma coca dois litros. Eu tomo cerveja. Também vim das compras, mas os propósitos comerciais talvez não sejam os mesmos. A mulher à minha frente, não a mais velha, a segunda na escala de idade provavelmente, mostra uns papeis e uns envelopes, e comenta, certa do bom negocio que fez: "tem cinquenta folhas, em cada uma faço dois convites, serão cem convites, uma economia e tanto!"  E sorri satisfeita. Está feliz, parece feliz. E isso é o que importa. Mas não deixo de pensar no trabalhão que ela vai ter. "Tomara que ela não se decepcione".  Talvez não, talvez ela irá curtir a trabalheira toda. Então volto a observar e a divagar enquanto tomo mais um gole de cerveja.
Outra dupla chega. Uma mulher grisalha. Cabelos brancos disfarçados de loiro, muito curtos, e uma outra mulher mais nova, a filha talvez, jovem, mas acima do peso ideal, os óculos de sol, uma réplica, no alto da cabeça. Ambas pensam no que tomar e comer. Pedem salgados e um refrigerante citro. Enquanto esperam ser atendidas a mulher mais velha olha para a minha mesa e encara a minha cerveja. Tenho a impressão de vê-la engolir em seco. Talvez não seja impressão. Questiona a filha, pensa, pondera e decide ficar com o refrigerante, mas muda-se de cadeira e fica de costas pra mim. Sedenta, vai passar vontade à toa, coitada. Talvez bom senso.
Mas quantas vezes em nossa trágica existência não fazemos isso? Quantas vezes, em frente ao mar, não morremos de sede? E quantas vezes, tendo ao nosso lado diamantes lapidados, não saímos à cata de pedras brutas que nos enchem de calos as mãos e a vida. Bom senso?
Decido tomar mais uma (cerveja). Quando pago a conta e me volto vejo minha espera chegando. Sorrisos. Um esticar de lábios e um cenho franzido substitui a pergunta: "mas já tão cedo (bebendo)?
Não importa, a companhia é boa, confortável, pacífica, confiável. Me diz que precisa comprar ainda carteiras e mochilas. Vou ter que esperar mais alguns minutos. Então tenho algum tempo ainda para degustar minha latinha. E bisbilhotar com a imaginação a vida (desconhecida) alheia. O calor está forte, mas um ventilador/vaporizador refresca o ambiente. A mulher sedenta, não resiste e também pede uma cerveja. “Bem gelada” enfatiza para a garçonete. A filha consente com um gesto de cabeça, segurando os óculos. Parece ter aprovado finalmente. “Culpa minha”, penso preocupada. Mas também penso que, somos todas muito parecidas. Concordamos a princípio, nos deixamos dominar, mas com paciência, com jeitinho, com sorrisos, acabamos por fazer valer a nossa vontade. E com astúcia, mas muito amor, abrimos mão dos créditos da vitória. Rindo por dentro. Às vezes, felizes.
A lanchonete enche. Noventa e oito por cento, mulheres. As pesquisas são verdadeiras, elas consomem mesmo muito mais do que os homens. Eu sou a prova viva disso. Outras mulheres pedem para dividir a mesa comigo. Eu permito. Nunca nos vimos antes. O que teremos em comum? Muito? Pouco? Alguma coisa. O consumo, talvez. A sagacidade e o amor, com certeza.
A mulher sedenta pede outra cerveja. A filha avisa que já chamou um taxi. “É só mais um minuto e daqui podemos vê-lo chegar” responde a mãe com um sorriso vitorioso.
De fato, a rua se escancara à frente do bar. Pessoas vão e vem pela calçada como formigas em correição. De vez e quando uma topa com a outra, o encontrão é rápido como um flash, logo se desviam e seguem seu destino, suadas, apressadas.
A garçonete serve a cerveja para a mulher sedenta. A filha se levanta incomodada. O taxi estaciona em frente à porta. “só mais um minuto” fala a mulher. É o tempo dela sorver o resto do copo, ajeitar as sacolas em uma das mãos e pegar a latinha com a outra. Não quer abrir mão do prazer efêmero.
A filha, já na porta, faz sinal para o motorista que o taxi é delas. A mãe se emparelha com ela na porta. Ao tentarem sair ao mesmo tempo se esbarram. Olham uma para outra e caem no riso no exato momento em que um ônibus desgovernado acerta em cheio a traseira do taxi.

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