CONTO O CHAPELUDO


O CHAPELUDO

Aconteceu lá pelos idos de 1949, quando no patrimônio onde Ditinho Paulista morava só havia roça. Corria por entre fazendas e sítios um pequeno córrego cujas águas ninguém atravessava depois da meia-noite, pois segundo contavam, um homem usando um chapelão mexicano se postava na cabeceira da ponte e os cavalos, único meio de transporte da época, refugavam e não seguiam caminho nem que as esporas lhe fincassem as carnes.
Pois bem, contam as más e as boas línguas, inclusive a do próprio, que o Ditinho paulista, certa feita, depois de fazer a corte a uma donzela, cujo pai, capitão de escravos lhe servira a melhor pinga que ele já tomara, resolveu voltar para casa, não obstante o adiantado da hora e a insistência da amada que implorava para que ele ali pernoitasse, já que, com certeza, o 'chapeludo' o estaria esperando e não o deixaria passar.
Teimoso feito uma mula, “Seu” Dito a estas palavras bateu o pé; disse que iria sim e que acabaria com o reinado do tal fantasma. Dito (perdoem o trocadilho) e feito. Montou no cavalo, meteu-lhe a espora e partiu a galope.
Faltavam poucos metros para a tal ponte quando o cavalo do Ditinho começou a matar a carreira. Quanto mais ele lhe metia a espora, mais o cavalo diminuía a marcha relinchando e sacolejando, ora para um lado, ora para o outro. De repente estacou e bufou feito burro empacado; empinou as patas dianteiras e não havia o que o fizesse sair do lugar. 
Ditinho Paulista a custo se equilibrava em cima do lombo do bicho e, cismado, resmungou um cruz credo, levantou a cabeça e olhou. Olhou e viu, o 'chapeludo' balançar ao sabor do vento, sua sombra ameaçadora.
_Mas não é que o fantasma existe mesmo! Pensou.
Incrédulo, chacoalhou a cabeça na tentativa de desanuviar os neurônios que deviam estar dominados pela pinga boa que o pretenso sogro lhe servira.
_Ou existe, ou aquela branquinha danada “ta” me fazendo ver coisa.
O cavalo relinchou. 'Seu' Dito sentiu um tiquinho de medo.
_Voltar eu não volto Ventania, o que que o povo vai pensar? Eu vou é lá ver o que é que esse cabra quer.
Assim, conversando consigo mesmo, apeou do cavalo, bateu carinhosamente com a palma da mão no pescoço do animal assustado e, decidido gritou lá de longe:
_Se tem alguma coisa que 'ocê' queira, fale agora 'homi', ou vai sentir o fio da minha peixeira!
A não ser pelo vento da madrugada que assobiava balançando os ramos das árvores, o silêncio era total e ele não ouviu nenhuma resposta.
Então, corajoso, como só o pai de doze filhos, nem todos vivos, pode ser, ele andou para  o lado da ponte  e, quanto mais perto chegava mais se intrigava a ponto de não poder evitar um certo tremor nas pernas. Titubeou, mas  se lembrou da promessa feita na casa do sogro e continuou.
Carregado de confiança na premissa de que tudo nessa vida tem uma explicação lógica, ele avançou uns passos mais e quase não acreditou no que viu.
Do alto de seus quase dez metros de altura, um colossal salgueiro (também conhecido como Chorão), se espreguiçava ao sabor do vento iluminado pela lua cheia; seus longos galhos pendiam em direção ao solo, com o formato perfeito de uma cabeça guarnecida com um  grande chapéu mexicano a cumprimentar com um aceno qualquer um que por ali passasse.
'Seu' Dito balançou a cabeça, ajeitou o bigodinho Santos Dumont, sacou da cintura o grande facão de ferro fundido, companheiro de jornada de todo cabra macho que se preze e, mordendo a língua entre os dentes, cortou vigorosamente, num misto de raiva e prazer, boa parte daqueles galhos que balouçavam inofensivos na noite fresca. Então, ele se afastou alguns passos  e, satisfeito, percebeu que a figura do fantasma que assustou por tanto tempo o povo das redondezas se desmanchara por completo.
Estufando o peito com ar de coragem e orgulhoso de seu trabalho, ele voltou ao cavalo, que o esperava cabisbaixo e envergonhado, quase a cheirar as próprias patas sujas de lama e de desonra. Assim, calados, atravessaram os dois, homem e animal, a grande e vencida ponte do medo.
A notícia correu feito rastilho de pólvora: Ditinho Paulista enfrentara sozinho em noite de lua cheia, o fantasma 'chapeludo' que, assustado com a bravura de seu oponente, se desatou a correr e nunca mais parou.
Daquele dia em diante, ninguém mais viu assombração naquelas paragens, mas há quem diga que os ventos soprados nas noites tempestuosas são causados pela passagem veloz do 'chapeludo' pelo povoado. Ficar ele não fica, mata a saudade e vai embora. Tem medo do destemido cavaleiro, cuja fama se espalhou pelos quatro cantos do norte pioneiro onde, conta a lenda, até a polícia montada da época o temia.

NILCE SILVA



3 comentários:

  1. MUITO BOM! CONSEGUIU NARRAR COM TANTOS DETALHES, QUE ME FEZ IMAGINAR AS CENAS, COMO SE ELAS TIVESSEM SIDO FILMADAS.

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  2. muito legal!!! eu ouvi muito essa hitória...

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  3. esqueceu de citar a parte da garrucha Schmidt Western 22 inglesa que ele meteu duas balas no chapeludo e nada do bicho cambalear . ( naquele tempo eu tinha uma Schmidt Western inglesa ).

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