VELHA POUPANÇA
Aconteceu no início dos anos 90 quando os planos do governo deram uma trégua e a onda de gírias colocava em analogia as palavras nádegas e poupança. A agência estava calma naquela manhã e só não reinava total silencio porque as máquinas autenticadoras ainda muito velhas e barulhentas não paravam seu crec-crec e a estagiária atrás de nós tagarelava sem parar com dona Helena que acabara de trazer o cafezinho.
Éramos seis naquela época, ainda não havia fila única e, em frente à cada guichê duas ou três pessoas esperavam para serem atendidas.
Ao meu lado esquerdo o colega bonachão, fala mansa, gestos de quem não tem nenhuma pressa atendia quase sussurrando uma senhora baixinha de traços finos e nariz arrebitado. Quase não alcançando, na gaiola de vidro, o furo retangular por onde nos comunicávamos com os clientes, ela se equilibrava na ponta dos pés e falava com seu atendente, agitada e reclamando muito de que algo estava errado em sua conta de aplicação.
O colega solícito, numa tranqüilidade que me irritava, tentava entender o drama da mulher à sua frente. Do meu lado direito o outro amigo sempre muito falante, estava estranhamente quieto e esperava acariciando o vasto bigode, que um senhor semi-analfabeto rabiscasse sua assinatura numa guia de retirada.
A mulherzinha que já passava dos 60 olhava o caixa sem entender as explicações que ele lhe dava. Com voz de pastor anglicano, quase um sussurro ele pergunta:
_A senhora fez saque na sua conta esse mês?
_Como? Responde a mulher encostando a orelha esquerda no vidro.
_A senhora fez saque na sua conta de poupança esse mês? Torna a perguntar, agora sôfrego, o prestativo funcionário.
_Como? Ela indaga um pouco mais alto, franzindo ainda mais o cenho.
Paciência, finalmente perdida, o colega pigarreou e, quebrando o silêncio que naquele momento era quase total, disparou em alto e bom som:
_ALGUÉM MEXEU NA SUA POUPANÇA?
Tentei segurar o riso, mas ao olhar o colega da direita também em igual situação, não agüentei e caí na gargalhada. A contaminação foi geral e imediata: clientes e atendentes desataram a rir e a velhinha nervosa nem reparou na vermelhidão do rosto do caixa que gastou ainda muito tempo para fazê-la entender o saldo real de sua velha e segura conta de poupança.
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