quinta-feira, 22 de março de 2012

Um minuto

Um minuto

Estou em São Paulo em uma lanchonete ao lado de um estacionamento. Tomo uma cerveja enquanto espero. Espero e observo a um canto em uma mesa pequena quatro mulheres conversarem animadamente. Vieram das compras. Com certeza a vinte e cinco de março foi visitada por elas. Rindo muito dividem uma coca cola dois litros. Eu tomo cerveja. Também vim das compras, mas os propósitos comerciais talvez não sejam os mesmos. A mulher à minha frente, não a mais velha, a segunda na escala de idade provavelmente, mostra uns papeis e uns envelopes, e comenta, certa do bom negocio que fez: "tem cinquenta folhas, em cada uma faço dois convites, serão cem convites, uma economia e tanto!"  E sorri satisfeita. Está feliz, parece feliz. E isso é o que importa. Mas não deixo de pensar no trabalhão que ela vai ter. "Tomara que ela não se decepcione".  Talvez não, talvez ela irá curtir a trabalheira toda. Então volto a observar e a divagar enquanto tomo mais um gole de cerveja.
Outra dupla chega. Uma mulher grisalha. Cabelos brancos disfarçados de loiro, muito curtos, e uma outra mulher mais nova, a filha talvez, jovem, um pouco acima do peso; os óculos de sol, uma réplica, no alto da cabeça. Ambas pensam no que tomar e comer. Pedem salgados e um refrigerante citro. Enquanto esperam ser atendidas a mulher mais velha olha para a minha mesa e encara a minha cerveja. Tenho a impressão de vê-la engolir em seco. Talvez não seja impressão. Questiona a filha, pensa, pondera e decide ficar com o refrigerante, mas muda-se de cadeira e fica de costas pra mim. Sedenta, vai passar vontade à toa, coitada. Talvez bom senso.
Mas quantas vezes em nossa trágica existência não fazemos isso? Quantas vezes, em frente ao mar, não morremos de sede? E quantas vezes, tendo ao nosso lado diamantes lapidados, não saímos à cata de pedras brutas que nos enchem de calos as mãos e a vida. Bom senso?
Decido tomar mais uma (cerveja). Quando pago a conta e me volto vejo minha espera chegando. Sorrisos. Um esticar de lábios e um cenho franzido substitui a pergunta: "mas já tão cedo (bebendo)?
Não importa, a companhia é boa, confortável, pacífica, confiável. Me diz que precisa comprar ainda carteiras e mochilas. Vou ter que esperar mais alguns minutos. Então tenho algum tempo ainda para degustar minha latinha. E bisbilhotar com a imaginação a vida (desconhecida) alheia. O calor está forte, mas um ventilador/vaporizador refresca o ambiente. A mulher sedenta, não resiste e também pede uma cerveja. “Bem gelada” enfatiza para a garçonete. A filha consente com um gesto de cabeça, segurando os óculos. Parece ter aprovado finalmente. “Culpa minha”, penso preocupada. Mas também penso que, somos todas muito parecidas. Concordamos a princípio, nos deixamos dominar, mas com paciência, com jeitinho, com sorrisos, acabamos por fazer valer a nossa vontade. E com astúcia, mas muito amor, abrimos mão dos créditos da vitória. Rindo por dentro. Às vezes, felizes.
A lanchonete enche. Noventa e oito por cento, mulheres. As pesquisas são verdadeiras, elas consomem mesmo muito mais do que os homens.  Outras mulheres pedem para dividir a mesa comigo. Eu permito. Nunca nos vimos antes. O que teremos em comum?  Alguma coisa. O consumo, talvez. A sagacidade e o amor, com certeza.
A mulher sedenta pede outra cerveja. A filha avisa que já chamou um taxi. “É só mais um minuto e daqui podemos vê-lo chegar” responde a mãe com um sorriso vitorioso.
De fato, a rua se escancara à frente do bar. Pessoas vão e vem pela calçada como formigas em correição. De vez em quando uma topa com a outra, o encontrão é rápido como um flash, logo se desviam e seguem seu destino, suadas, apressadas.
A garçonete serve a cerveja para a mulher sedenta. A filha se levanta incomodada. O taxi estaciona em frente à porta. “só mais um minuto” fala a mulher. É o tempo dela sorver o resto do copo, ajeitar as sacolas em uma das mãos e pegar a latinha com a outra. Não quer abrir mão do prazer efêmero.
A filha, já na porta, faz sinal para o motorista que o taxi é delas. A mãe se emparelha com ela e se entalam na saída estreita.  As duas se olham e caem na risada. No mesmo instante  um ônibus desgovernado acerta em cheio a traseira do taxi. 

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