X era triste e depressivo.
Acordava todos os dias e se demorava na cama imaginando que aquele seria um outro dia qualquer, como eram todos os outros.
Levantaria, faria café, tomaria café, alimentaria o gato, leria o jornal, dobraria o jornal, seu olhar se perderia no vazio da casa e do próprio coração já há tanto tempo sem alegrias.
Às vezes caminhava, às vezes se abandonava no sofá olhando para a Tv que transmitia um programa viciado, sem grandes novidades, repetindo receitas de leite ninho e de coisas (in)úteis a se fazer com um clips de papel.
Coisa chata.
X saiu pela porta olhou o quintal revirado, galhos secos, grama praguejada, grama? Cadê a grama?
Houve uma época na qual um gramado irregular, mas verde e limpo dava um pouco de vida ao seu quintal.
X sentiu mais tédio, saiu para a rua e olhou a calçada quebrada, matinhos emergindo dos rachos escurecidos pelo mofo.
Em volta da casa velha carecendo de reparos só viu sobrados, conjuntos inteiros deles, pintados todos da mesma cor. Cor de palha, opacos, sem espaço, as portas quase saindo pelos portões, varais pendendo das janelas com grades. Como é que essas pessoas penduram roupas ali?
X caminhou sem destino. Pensou em voltar. O sol saiu de entre as nuvens e o animou.
Andaria mais um pouco.
O coração sem sonhos apertava o peito arfante.
Seria melhor voltar. O sol estava ficando quente.
Dobrou uma esquina, depois outra, alcançou a avenida movimentada.
Pessoas apressadas passavam por ele sem enxergá-lo.
Não se importavam com ele, não faziam nada por ele.
Não era ninguém. Até seu nome era uma incógnita.
Lembrou de que ele próprio afastara as pessoas.
Lembrou das mulheres que iludiu e abandonou ao longo da vida.
Culpa delas. Tinha compromisso. Elas sabiam.
E também ele não sabia?
Mulheres. Você sorri, elas se apaixonam.
Lembrou da própria mulher, coitada uma santa.
Sua desculpa para afastar as outras, um dia deixou de existir.
X tentou se lembrar em que ponto da sua vida os amigos também partiram.
Não tinha tempo para amigos. Chegava em casa cansado, solitário. Tinha que fazer a própria comida. Alimentar o gato. Lavar a própria roupa.
Não importa mais. Se foram todos.
Ficou o gato.
O gato não sorria.
E ele então? Há quanto tempo não gargalhava?
Chorar de tanto rir...
Isso ainda existe?
X atravessou a rua e se viu diante de um jardim.
O portão escancarado exibia flores de todos os tipos e cores espalhadas a espaços regulares que se perdiam de vista.
Seus olhos experimentaram uma satisfação com a beleza que há muito não sentia.
X olhou mais atentamente.
Algo dentro dele se remexeu.
Foi tomado de súbito por um desejo de vida incontrolável.
Voltou para casa quase correndo.
Ao passar pelos sobrados viu roupas coloridas nos varais balançando graciosamente com o vento.
Havia vida ali afinal.
Chegou em casa determinado; foi tirando dos bolsos saquinhos de semente e, enquanto separava algumas ferramentas, projetava mentalmente a distribuição das plantas.
Quando as primeiras flores desabrocharam a alegria voltou a fazer parte da vida de X.
Ainda era um homem solitário, mas a sua casa se transformara num jardim de vida e contentamento. Os passarinhos e as borboletas voltaram. O gato se diverte tentando alcançá-los.
Pessoas param em frente ao seu portão, sorriem, se encantam e fazem fotos para enfeitar suas redes sociais.
Vem gente de longe.
Os vizinhos abrem suas janelas todas as manhãs e inflam os pulmões com o perfume agradável dos lírios e das camélias.
_Bom dia 'Seu' Xerxes!
_Bom dia Dona Ceci! _Bom dia 'Seu' Geraldo! _Bom dia menina Flor!

Nenhum comentário:
Postar um comentário